O Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) é uma evolução natural do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais (SINIEF), instituído na segunda metade do século XX, em 1970, por meio de Convênio firmado pelo ministro da Fazenda e secretários de Fazenda ou de Finanças dos Estados e do Distrito Federal. Nesse acordo, os signatários se comprometem a incorporar às suas respectivas legislações tributárias os termos do SINIEF.
Seus dois objetivos foram também definidos, de forma expressa, pelo Convênio. O primeiro é obter e permutar informações de natureza econômica e fiscal entre os signatários; e o segundo é simplificar o cumprimento das obrigações por parte dos contribuintes.
A partir do SINIEF foram estabelecidos padrões nacionais para controles fiscais e tributários que hoje fazem parte do cotidiano empresarial, por exemplo: Cadastro de Contribuintes, Classificação Nacional de Atividades Econômicas – Fiscal – CNAE, Código Fiscal de Operações e Prestações e do Código de Situação Tributária, documentos fiscais (notas fiscais, cupons fiscais etc.) e livros fiscais (registro de entradas, saídas, Controle da Produção e do Estoque, Inventário, Apuração do IPI, apuração do ICMS etc.).
Já no século XXI, a Nota Fiscal eletrônica (NF-e), o Conhecimento de Transporte eletrônico (CT-e) e a Escrituração Fiscal Digital do ICMS e do IPI (EFD-ICMS/IPI), que são componentes do SPED, têm sua origem em Ajustes SINIEF, a saber:
· Ajuste SINIEF 07, de 2005: instituiu a NF-e. · Ajuste SINIEF 09, de 2007: instituiu o CT-e · Ajuste SINIEF 02, de 2009: revogou tacitamente o Convênio ICMS nº 143, de 15 de dezembro de 2006, e instituiu a EFD ICMS/IPI.
Anteriormente, em 2003, a Emenda Constitucional nº 42 reforçou a necessidade de integração entre os fiscos e determinou às administrações tributárias da União, Estados, Distrito Federal e municípios que atuem de forma integrada, compartilhando informações.
Mais adiante, em 2007, o SPED foi criado, de forma oficial, através do Decreto Presidencial nº 6.022. A responsabilidade sobre a administração do SPED ficou a cargo da Secretaria da Receita Federal, com a participação das administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como outros órgãos que tenham atribuição legal de regulação, normatização, controle e fiscalização dos empresários e das sociedades empresárias.
Os objetivos do SPED não foram definidos no Decreto nº 6.022, que se limita a defini-lo como “instrumento que unifica as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração comercial e fiscal dos empresários e das sociedades empresárias, mediante fluxo único, computadorizado, de informações.”
Entretanto, mesmo antes da publicação do Decreto, os três objetivos do SPED foram definidos no portal do projeto:
- Promover a integração dos fiscos, mediante a padronização e compartilhamento das informações contábeis e fiscais, respeitando as restrições legais. - Racionalizar e uniformizar as obrigações acessórias para os contribuintes, com o estabelecimento de transmissão única de distintas obrigações acessórias de diferentes órgãos fiscalizadores. - Tornar mais célere a identificação de ilícitos tributários, com a melhoria do controle dos processos, a rapidez no acesso às informações e a fiscalização mais efetiva das operações com o cruzamento de dados e auditoria eletrônica.
Além do Decreto Presidencial, a Lei nº 9.779, de 1999, foi base para outros componentes do SPED, como a Escrituração Fiscal Digital das Contribuições (EFD-Contribuições) e a Escrituração Contábil Digital (ECD). O artigo 16 da Lei determina que “compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.”
A ECD tem sua origem na Instrução Normativa RFB nº 787, de 2007, que criou uma escrituração contábil para fins fiscais e previdenciários, compreendendo livros Diários e Auxiliares, Razão Contábil e Balancetes.
Já a EFD-Contribuições foi instituída em 2010, por meio de instrução normativa da Receita Federal do Brasil (RFB), originalmente para controlar a apuração do PIS/Pasep e da Cofins, e teve o seu escopo ampliado a partir da criação da Contribuição Previdenciária sobre a Receita. Atualmente, a Instrução Normativa RFB nº 1.252, de 2012, é a norma que define os parâmetros para a EFD-Contribuições, inclusive os critérios de obrigatoriedade.
Dado esse contexto histórico, surgem algumas indagações e observações sobre o SPED. Primeiramente, é inquietante o fato de o Decreto nº 6.022 ter omitido os objetivos do projeto – ao contrário do Convênio de 1970.
O outro ponto relevante diz respeito ao cumprimento dos objetivos expressos no Portal do SPED. ECD, NF-e, CT-e, EFD-ICMS/IPI, têm atuado claramente no sentido de integrar fiscos, racionalizar e uniformizar as obrigações acessórias e, obviamente, aumentando a eficiência na identificação de ilícitos tributários.
Mas, em se tratando da EFD-Contribuições, há uma nítida falta de compromisso com os três objetivos. Analisando-se as informações solicitadas pela EFD-Contribuições, percebe-se uma similaridade em torno de 50% com a EFD-ICMS/IPI. É possível perceber que os dados cadastrais de empresas, produtos, clientes, fornecedores e documentos fiscais simplesmente coincidem.
Ora, se metade das informações é a mesma, por que duas obrigações distintas dentro do SPED? Não seria mais racional que uma integração de fato incluísse o diálogo entre a autoridade tributária federal e seus pares nos Estados?
Ademais, ao incluir empresas sujeitas ao Imposto de Renda – Pessoa Jurídica (IRPJ) pela sistemática do Lucro Presumido no calendário de obrigatoriedade da EFD-Contribuições, a autoridade estabeleceu, para empresas submetidas ao regime de incidência cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins, um controle adicional que não produzirá aumento arrecadatório.
Assim, a EFD-Contribuições age contrariamente à integração entre fiscos, não racionaliza a burocracia tributária; e não atua de forma relevante no aumento da arrecadação das 984.635 sujeitas ao Lucro Presumido.
“Tudo me é permitido, mas nem tudo convém” (I Cor 6, 12). O Apóstolo dos Gentios, Paulo, nos convida a transcender o “proibido/permitido” e evoluir nossa própria consciência com sabedoria. A legalidade de uma ação não deve, portanto, justificar consequências prejudiciais ao próprio ser nem a outros. A RFB tem o direito de instituir os mecanismos que julgar necessários para fiscalizar os contribuintes.
Contudo, se os objetivos do SPED estivessem expressos no Decreto 6.022, a EFD-Contribuições seria ilegal. No caso, ela é apenas imoral. Afinal, as quase um milhão de pequenas empresas que estão obrigadas à EFD-Contribuições pagarão caro pela nova burocracia tributária – agora travestida de modernidade digital.
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